Você é o meu melhor
Era numa
segunda-feira quando o relógio despertou em plena 06h15 da manhã. Olhei para o
lado e ela já estava acordada, me observando com o olhar brilhante de sempre.
Me aproximei e a puxei para um abraço, ela soltou uma gargalhada enquanto rolávamos
na cama.
- Eu amo o
seu cabelo encaracolado – Sussurrei e beijei de leve seus lábios que estavam
secos por conta do frio.
Já
estávamos alguns minutos atrasados, mas toda vez que eu tentava levantar, ela
me puxava de volta, e quem é que consegue resistir aquele sorriso pervertido?
Fizemos amor logo pela manhã. Dois anos depois, acordei no mesmo horário, sem
ninguém me observando. A cama vazia, mas o cheiro dela ainda predominava os lençóis,
não tive coragem de lavá-los desde que ela se foi. Não havia ninguém pra me
puxar e fazer eu me atrasar, por uma boa causa, obviamente. Assim que levantávamos,
ela vestia uma camiseta minha, que ficava um vestido em seu corpo pequeno, e ia
preparar o café da manhã. Ás vezes ela derrubava Nescau quente no seu blazer
quando estava muito nervosa ou ansiosa, eu ria e ao invés de ficar brava, ela
ria junto. Ajudava-a á limpar toda aquela bagunça e depois dava opinião em qual
casaco ela deveria vestir. Dois anos depois, eu acordava e não havia ninguém
pra me arrancar risadas logo pela manhã ou pra me ajudar a escolher a roupa de
trabalho. Quando íamos sair pra jantar, eu me apoiava na porta do nosso quarto
e observava ela se maquiar ouvindo música, se enchendo de perfume só pra me
agradar ou se equilibrando em saltos só pra alcançar com mais facilidade os
meus lábios. Dois anos depois, me contentava fazendo um miojo em casa mesmo,
colocava qualquer canal na TV e tentava pegar no sono, mas meus pensamentos
sempre eram direcionados para um único sorriso que eu já não via mais.
Lembro que
ela tinha mania de brincar com os fios do meu cabelo e também adorava quando eu
bagunçava os dela. Gostava quando eu beijava os seus ombros ou ficava
acariciando os seus lábios com os meus. Amava quando em um beijo nossas mãos se
entrelaçavam. Quando eu descia os beijos para o seu rosto e depois para o seu
pescoço. Dois anos depois, tive que me contentar em fazer um trabalho no computador
sem alguém pra me trazer o jantar e beijar meus cabelos. Eu desistia de fazer
tudo no mesmo instante e a abraçava, jogava-a no meu colo e só terminava o meu
trabalho depois de algumas horas de carícias e beijos. O que aconteceu? Eu
simplesmente parei com tudo isso. Não morávamos juntos, mas eu vivia frequentando
o seu apartamento e ela o meu. A rotina foi ficando mais estressante,
exaustiva. Eram contas pra pagar, gasolina no carro pra colocar e ainda tinha
que ter tempo pra ela. Quando ela começou a trazer o jantar no quarto, eu nem
se quer a olhava, dizia que estava ocupado e que depois eu comeria. Acordava ao
seu lado, ela pedia beijos e eu apenas levantava, dava um selinho rápido e
vestia a roupa correndo. Ela derrubava Nescau e eu brigava, dizendo que aquilo
era irresponsabilidade. Naquele dia vi seus olhos lacrimejarem, levantou-se e
não falou comigo pelo resto do dia. Com um tempo ela foi ficando mais fria, eu
já não trazia mais flores, não mandava recados carinhosos de “boa noite”, nem
ir pra cama não íamos mais.
Sua frieza
foi piorando dia após dia. Ela já não saia mais comigo, estava sempre com as
amigas e arranjou amigos também. Se ocupava com a academia e quando eu chegava
perto, ela dizia curta e grossa: “Agora quem não pode sou eu”. Ela já não me
deixava dormir no seu apartamento ou tocá-la tanto. Sempre estava ocupada,
coberta de razões. Tinha aquele aroma de madura, independente, responsável, mas
seus olhos eram frios. Seus textos já não eram mais sobre sentimentos, eram
sobre política, viagens, economias. Nosso auge foi quando ela pronunciou as
seguintes palavras:
- Eu te amo
e é por isso mesmo que vou deixá-lo ir, você merece alguém melhor. Alguém madura,
alguém que não seja desastrada e não atrapalhe a sua vida profissional, mas que
também não te apóie. Esse alguém não sou eu. – Logo em seguida tirou a aliança
de seu dedo sem se quer uma lágrima nos olhos e saiu pela porta.
Do outro
lado consegui ouvir os seus soluços de choro. É como se algo tivesse me
atingindo em cheio no peito, naquele dia deixei-a ir, pensei que ela voltaria
no dia seguinte, mas não voltou. Passaram-se semanas e ela ainda não havia
voltado. A saudade começou a bater e a depressão de não tê-la por perto era inevitável.
Um dia passei em frente a editora em que ela trabalha e a vi com um imenso
sorriso no rosto, quem a visse acharia que ela estava melhor sem mim, mas não
era o que seus olhos me diziam. Naquela noite, esperei ela sair do trabalho,
ela me olhou surpresa e seus olhos lacrimejaram.
- Preciso
te mostrar uma coisa – Disse a puxando pelas mãos e indo em direção ao
aeroporto mais próximo.
Durante
todo o trajeto, os dois ficaram em silêncio mesmo tendo muito a dizer. Quando
ficava brava, ainda quando estávamos namorando, ela escrevia um texto e por
meio dele dizia tudo o que não conseguia pronunciar em voz volta. Era a minha
vez de fazer isso. Entreguei um texto escrito a mão e seus olhos acompanharam
as letras durante o caminho. Estacionei ao meio fio. Sua maquiagem já estava
borrada por conta das lágrimas. A carta dizia:
Preciso que me escute com atenção (me leia,
no caso). Eu te amo! Você leu bem? Então leia de novo: Eu te amo! E mais uma
vez: Eu te amo! E outra: Eu te amo! Eu te amo, te amo muito, como nunca amei
ninguém e como nunca vou amar, você me entendeu? E sei muito bem que sente o
mesmo. E eu não posso deixar que isso se acabe. Eu te prometi, prometi que te
amaria pra sempre, não posso e nem vou descumprir isso. Você é meu bebê! Meu
anjo! MINHA VIDA! Eu não sou nada sem você e não quero esperar nem mais um
minuto pra acordar todos os dias do seu lado pelo resto da minha vida. Sei que
errei e você também. Erramos quando resolvemos que estava na hora de desistir
daquilo que construímos até aqui e eu te digo: Não, não é hora de desistir.
Podemos recomeçar, não é? Você também me prometeu que jamais haveria um fim.
Por favor, me perdoa. Eu prometo que tudo, exatamente TUDO, vai voltar a ser como
era antes. Eu te amo demais! Você estava errada quando disse que eu merecia
alguém melhor. Eu não quero alguém melhor... PORQUE VOCÊ É O MEU MELHOR.
Ela não
disse nada, apenas continuou chorando e chorando. Saímos do carro e fomos
andando em direção a entrada. Abracei-a com força antes de subirmos as escadas.
- Não tem
mais volta. Eu não te amo mais. – Ela sussurrou em meus ouvidos. Quase desmaiei
com suas palavras, mas logo notei o tremor em seus lábios, ela estava mentindo.
- Imaginei
que você diria isso... Continue subindo e vou te fazer mudar de ideia. – Sorri com
lágrimas nos olhos e beijei de leve seus cabelos.
Ela
balançou a cabeça em concordância e subimos as escadarias. Estavam todos os
nossos familiares com cartazes enormes de declarações de amor. Ela não sabia se
chorava ou se ria. Me ajoelhei e mandei um de seus primos me trazer as alianças
e o buque de rosas brancas (brancas porque vermelhas são clichês demais).
- Você quer
se casar comigo? – Perguntei soluçando por conta das lágrimas. Ela respondeu um
“sim” engasgado.
Hoje
completamos 50 anos de casados. Nossa filha Helena, nossos netos e seu marido,
fizeram uma comemoração surpresa pra nós dois. Quando as coisas estão ruins,
conserte-as, não as jogue fora. Se você ainda acredita no amor, não há motivos
pra não tentar mais uma vez. O resultado pode ser surpreendente.
Com
amor, Letícia
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